domingo, 23 de janeiro de 2011

Degradação ambiental compromete curso das águas

23/1/2011


Com um passado de glória, o Rio Acaraú hoje vive em alerta contra a poluição, desmatamento e extinção de espécies

Monsenhor Tabosa. Um rio morto. Esta foi a constatação que diversos estudiosos, pesquisadores e moradores do Rio Acaraú fizeram sobre ele. O lixo e o assoreamento, decorrente do desmatamento da mata ciliar e da retirada da calha, são os dois "bichos-papões" do rio.

Este gigante de 375km de extensão, no entanto, sobrevive e faz viver muitas famílias, Municípios, animais, matas e a Zona Norte, como pode ser visto no percurso da nascente à foz. Ele é também o principal da bacia hidrográfica que leva seu nome.

Surge timidamente. A cada gota de água brotada do chão ou caída sobre as pedras próximas às nascentes, o Rio Acaraú vai tomando sua forma. Suas duas nascentes estão localizadas na Serra das Matas, no Município de Monsenhor Tabosa, a 306km de Fortaleza. O local é considerado o ponto mais alto do Estado, com 1.145m de altitude.

O primeiro trecho do leito do Acaraú já foi sinônimo de fartura, devido a sua boa água para cultivo. "Há 40 e poucos anos era tudo lindo. Engenhos de cana, plantações de banana. Hoje não se planta mais nada, ´tá´ tudo devastado", conta o comerciante Fernando Ferreira de Melo. Sua queixa se repete ao longo do Acaraú.

Em estudo realizado pelos professores Marcos José Nogueira de Sousa e Maria Lúcia Brito da Cruz, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), "Análise geoambiental e mapeamento das áreas degradadas susceptíveis à desertificação na Bacia Hidrográfica do Acaraú", é constatado que "a especulação imobiliária, o desenvolvimento do turismo e da carcinicultura, o crescimento desordenado dos núcleos populacionais, o incremento agroindustrial, o manejo de irrigação nos agropólos - perímetros irrigados - como Araras Norte e Baixo Acaraú, a incorporação de terras para agricultura, desmatamento, ablação dos solos e a desertificação estão entre os principais problemas de degradação ambiental".

A professora e pesquisadora Maria das Graças Farias Medeiros, filha de Tamboril, testemunhou o tempo de glória da sua região por conta das águas do Acaraú. Agora se debruça em trabalhos de pesquisa e sociais para resgatar o rio. "Quando a tâmara florescia, indicava um bom inverno. A gente tinha um rio verde e hoje é mais plantação de capim", afirmou.

As cenas de devastação não se restringem, no entanto, à plantação de capim. Além dela, queimadas nas margens, retirada desordenada de areia, muito esgoto despejado nas águas do Acaraú preocupam moradores e gestores.

Nos 13 Municípios visitados, a realidade do rio é a mesma, e em alguns casos pioram devido às atividades econômicas e práticas desordenadas. Em Tamboril, na passagem molhada que corta a cidade, a água não passa por lá, decorrente da destruição e também da estiagem do ano que findou.

Em Varjota, onde está localizado o principal reservatório da Bacia Hidrográfica do Acaraú, o Açude Paulo Sarasate, o assoreamento também já prejudica a atuação do açude conhecido como Araras. O reservatório perdeu 15% de sua capacidade devido ao fenômeno. O "Araras" é responsável por tornar o Rio Acaraú perene.

Apesar da grande quantidade de macrófitas no espelho d´água, em Sobral, e uma das margens do rio está coberta de lixo e de esgoto sendo despejado diretamente no Acaraú, o diretor técnico da Saae, José Alberto Rodrigues de Andrade, afirmou que "o esgoto que cai no Rio hoje é das lagoas de tratamento. Não é água potável, mas serve para irrigação".

Com tantas mudanças no trato do rio, a consequência foi quase o total desaparecimento da mata ciliar e dos animais que viviam à sua margem. A vegetação predominante é a Caatinga. A mata ciliar que resta no Acaraú pode ser vista na margem do leito do médio e baixo curso do rio. Durante as cheias, muitos Municípios sofrem com inundações e enchentes devido à descaracterização do leito dos rios. A água vem descendo e, não encontrando seu caminho, ocupa outros espaços.

Quanto aos animais , há registro de papagaios, preás, canários, cutia, guaxinim, onça, raposa, veado, caititu, jacu, seriema, garças, afora os peixes e mariscos. Infelizmente, a incidência desses bichos têm caído a cada dia. "A gente encontra ainda, mas é difícil porque estão todos em extinção", contou o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Acaraú (CBHA), Alexandre Bessa Cavalcante.

No estuário - espaço em que o rio se encontra com o mar -, preferencialmente nos bancos de areia e canais que fazem intercomunicação com o apicum, a extração de mariscos é feita diariamente pelas famílias. Lá são encontrados unha de velho, búzios (Anomalocardia brasiliana), concha e intã (Donax striatus). (E.L.)

Os problemas encontrados na Bacia Acaraú

A bacia do Rio Acaraú apresenta uma significativa diversidade ambiental, incluindo enclaves de serras úmidas, sertões, vales e ambientes litorâneos. Alguns problemas ambientais e de impactos negativos são comuns a esses ecossistemas. Outros adquirem peculiaridades próprias de cada um.

Dentre os problemas, destacam-se: desmatamentos desordenados, degradação da biodiversidade, erosão dos solos, queimadas, caça predatória, degradação de nascentes fluviais, deterioração do patrimônio natural, desequilíbrios ecológicos, expansão da desertificação, poluição dos solos e dos recursos hídricos, a degradação dos manguezais na área estuarina, degradação das matas ciliares das várzeas e das matas úmidas nas serras; expansão dos processos de desertificação nos sertões.

Eles afligem quase toda a população da bacia e têm sérias repercussões na qualidade de vida das populações rural e urbana. Nas ações a serem empreendidas, as propostas de curto, médio e longo prazos devem ser implementadas para a prevenção e recuperação das áreas mais vulneráveis às secas e à degradação ambiental; estimular a organização dos comitês de bacias para melhor gerir as disponibilidades dos recursos hídricos; incentivar as práticas de educação ambiental; contribuir, enfim, para a articulação entre órgãos governamentais e não governamentais, visando um estilo de desenvolvimento compatível com as necessidades de conservação ambiental e com equidade social desta que é a segunda bacia hidrográfica mais importante do Ceará.

*Geógrafo, doutor em Geografia Física pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular da Uece. Atua na área de Geociências, com ênfase em Geomorfologia. É um dos autores da pesquisa "Diagnóstico Geoambiental da bacia hidrográfica semiárida do Rio Acaraú: subsídios aos estudos
sobre desertificação".
Fonte http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=921068

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Governo quer algumas obras sem licença

Depois de reconhecer como área ''deixada a desejar'' na gestão anterior, a primeira medida do governador Cid Gomes, em relação ao meio ambiente, foi encaminhar mensagem à Assembleia sobre dispensas de licenciamento

Em meio a 26 mensagens com mudanças para o segundo mandato de Cid Gomes (PSB) que tramitam desde ontem na Assembleia Legislativa, está uma polêmica mudança na política ambiental. Um projeto do Executivo, que deve ser votado em regime de urgência, dispensa licenciamento ambiental em obras do Governo do Estado.

Acelerando a montagem da estrutura da nova gestão, Cid “suspendeu” as férias dos deputados estaduais para que eles votem, até o dia 28 deste mês, as medidas referentes à reorganização da administração.

Entre elas, o projeto sobre licenciamento. Pelo texto do Executivo, ficam dispensadas do licenciamento ambiental obras como estação de tratamento de água, sistema de abastecimento de água, habitação de interesse social, passagem molhada sem barragem de recurso hídrico, aterro sanitário, restauração de vias e implantação de estradas, custeio e investimento agropecuários, dentre outros casos.

A licença, segundo a proposta do Governo, nesses casos, ficaria a cargo do presidente do Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente (Conpam). No caso, o deputado federal não-reeleito Paulo Henrique Lustosa (PMDB).

Tal proposta pode indicar aspectos da política de meio ambiente do segundo mandado de Cid, que já reconheceu ter “deixado muito a desejar” no primeiro mandato.

A medida é vista com desconfiança pelo ambientalista João Saraiva. “Sou radicalmente contra abrir um precedente para dispensa de licenciamento ambiental”.

Ele alega que catástrofes na natureza, como se observa no Rio de Janeiro nos últimos dias são em decorrência de construções sem critérios ambientais. “O discurso do governador no segundo mandato é de reconhecer que a questão ambiental fica no segundo plano”.

Pouco tempo
O deputado estadual Heitor Férrer (PDT) ponderou avaliações sobre os projetos encaminhados para a Casa, mas adiantou que hoje deverá se posicionar sobre as propostas de Cid, criticando o curto período de tempo para discussão e votação dos projetos. “São 26 mensagens para dez dias. A sociedade não tem como apurar e maturar essas mudanças”, disse o opositor.



Vice-líder do Governo, o deputado estadual Roberto Cláudio (PSB) defendeu que as propostas têm de ser votadas com urgência para que o Governo possa implementar as novas atividades previstas para esta gestão.



E agora

ENTENDA A NOTÍCIA

Para ambientalistas, dispensar licenciamento ambiental para obras como habitação de interesse social e passagens molhadas, pode abrir precedentes para que se tenha o mesmo procedimento em obras privadas.