CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS
Há poucos aterros e muitos problemas inda a serem enfrentados no Estado do Ceará
FOTOS: MIGUEL PORTELA
Asmoc atingiu 86% de ocupação no método trincheira
26/9/2010
Enquanto o governo tenta implantar 30 aterros consorciados, no Asmoc a expectativa é de ampliação
Viçosa, Maracanaú, Acaraú e Sobral. O mato tomou conta do acesso. O portão está fechado com cadeado, mas a cerca lateral deixou de existir. Na entrada do terreno, uma casa abandonada, já sem portas e janelas, não dá pistas de que ali funcionaria o primeiro aterro sanitário consorciado do Estado: Viçosa/Tianguá, na Chapada da Ibiapaba. Sua pedra fundamental foi lançada em 2002, quando não havia sequer arcabouço jurídico para este tipo de iniciativa.
Oito anos depois, o retrato é de abandono e frustração, conforme o secretário de Infraestrutura de Viçosa, Sérgio Fontenele. "Fizemos a estrada de acesso, o isolamento da área, que fica a 18 km das duas cidades, escavamos a primeira trincheira, construímos o pátio de estacionamento, a casa da administração, controle e pesagem dos caminhões e o mais difícil, a compra dos tratores, que custaram R$ 300 mil", conta.
Para começar a funcionar, o aterro precisava da lagoa de estabilização, poço de captação de chorume, eletrificação e de balança de pesagem. À época, o projeto era de R$ 2 milhões. "Aí, o vento mudou, e ele muda de quatro em quatro anos, e o dinheiro parou de vir. O projeto empacou", resume o secretário.
Embora reconheça que parte do projeto foi bancada pelo governo estadual, o secretário lamenta que a implantação tenha parado por uma questão política. "Não é culpa isolada de ninguém. No Brasil, quando um dirigente sai, o que assume prefere, muitas vezes, começar do zero. Não dá para inaugurar obra já iniciada e dizer que foi o pai da criança", pontua.
Consórcios intermunicipais
Desde 2006, o governo estadual tenta implantar 30 aterros sanitários regionalizados no Ceará, por meio de consórcios intermunicipais. Só três iniciativas deram alguns passos: Viçosa/Tianguá; Paracuru/Paraipaba/Trairi; e Crato/Juazeiro do Norte/Barbalha. A previsão era de cobrir 1,8 milhão de habitantes, demandando investimentos da ordem de R$ 94,37 milhões. "Estamos dando apoio institucional e técnico para a implantação dos consórcios", diz Fernando Sérgio Studart Leitão, da Coordenadoria de Saneamento Ambiental da Secretaria das Cidades. A tarefa conta com o apoio do Associação de Prefeitos e Municípios do Ceará (Aprece).
Oficialmente, são oito consórcios formados (envolvendo 60 municípios) e pelo menos 15 em vias de concretização, totalizando 23 iniciativas. "Até março de 2011, estaremos com todos estes consórcios legalmente estabelecidos", arrisca Leitão, para quem essa é a alternativa das pequenas cidades para cumprir as metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
Degradação
O entorno do Aterro Sanitário de Maracanaú já denuncia o que pode ser constatado logo na entrada: a existência de um comércio degradante, no qual seres humanos disputam, entre urubus e cães, a tão cobiçada mercadoria: o lixo. Um mercado que funciona sem qualquer tipo de regulamentação, exceto a lei da oferta e da procura, é capaz de render para um dos integrantes da cadeia, os atravessadores ou balanceiros, lucro de até 100%.
Com balanças instaladas no próprio aterro, balanceiros e catadores se confundem num mesmo cenário, marcado pela desigualdade social. A entrada com portão demonstra que existe um controle do lixo, no entanto, a presença de catadores dentro do aterro é sinal de que suas regras não estão sendo respeitadas.
A aglomeração de catadores e de sacos de lixo nas ruas próximas ao aterro sanitário de Maracanaú, cuja operacionalização é de responsabilidade da Secretaria de Obras, denunciam a sua precária infraestrutura, com uma rede reciclagem clandestina. "Infelizmente temos ainda catadores", lamenta Pedro Hermano, coordenador do setor de gestão integrada de resíduos sólidos da Secretaria do Meio Ambiente de Maracanaú.
A relação dos catadores com o lixo não é de repúdio ou nojo. Pelo contrário, é do lixo que retiram a sobrevivência. O constrangimento pode ser observado sobretudo nos jovens, que demonstram um certo pudor ao falar sobre o assunto: "A gente veio trazer a merenda da mãe. É ela que vem todo dia de manhã e só volta à noite", afirma Fabiana Pereira da Silva, de 18 anos, explicando que a mãe, Maria Liduina Pereira Ângelo, de 50 anos, "recicla plástico e papel". O ganho é considerado razoável, "ela tira R$ 80,00 por semana", embora considere o trabalho duro. A atividade é insalubre, mas garante a sobrevivência dos cem catadores. Só que apenas 73 vão ter a possibilidade de participar da Cooperativa de Produção dos Catadores do Conjunto Vida Nova (Coomvida) que começou a funcionar de forma experimental, como explica o presidente, Luís Carlos Marreiro de Souza, 25 anos, catador desde os sete. "Comecei no Jangurussu", lembra, estimando que existam cerca de 500 a 700 catadores no município. Construído pelo governo do Estado, em 1997, o equipamento ocupa área de 90 hectares e deveria servir aos municípios de Maranguape e Pacatuba. Em 1998, o aterro foi municipalizado e hoje, recebe apenas o lixo de Maracanaú e parte de Maranguape.
Tudo parado
Luciano Ferreira da Silva nem se incomoda com a fumaça, no trator, de luvas, óculos escuros e chinelos, ele revolve o lixo que queima forte. Funcionário de empresa terceirizada que presta serviço à Prefeitura, ele trabalha no que seria o Aterro Sanitário de Acaraú, no litoral oeste do Ceará, a 203km de Fortaleza. "Aqui é um aterro. Não está pronto ainda", comenta. Das trincheiras previstas, apenas uma foi aberta, recebendo resíduos de todo tipo, misturados, queimando e, ao mesmo tempo, sendo espalhados para outros pontos, por conta do vento forte. "Falta a lagoa de transbordo, a estação de reciclagem", acrescenta.
O "aterro sanitário" de Acaraú recebe, por dia, cerca de 15 toneladas de resíduos. "Ainda é um lixão. Faz um ano e três meses que retomamos as obras. O aterro está em fase de implantação", admite o secretário municipal de Meio Ambiente, Elias Silveira. Não deu para esperar a concretização do consórcio intermunicipal, que iria construir um aterro para sete municípios da região - entre eles Cruz, Bela Cruz, Jijoca e Marco.
Com 10 hectares, o local tem licença de instalação da Semace e prevê a abertura de uma vala exclusiva para lixo hospitalar. Faltou verba para avançar. "A obra toda custa R$ 2,2 milhões. Já saiu uma parcela de R$ 250 mil, de um total de R$ 804 mil previstos na primeira etapa", argumenta o secretário. Falta muito. "A intenção da prefeitura é concluir o aterro e colocá-lo em funcionamento em 2011. Mas esse é um ano de eleição e está tudo parado", resume.
Funcionários catam
O aterro controlado de Sobral, licenciado pela Prefeitura do município, recebe cerca de 150 toneladas diárias de resíduos da sede, distritos e da cidade vizinha, Meruoca. Nos últimos dez anos, essa quantidade se ampliou, à medida em que avançou a economia da Zona Norte, conforme José Maria Araújo Rodrigues, gerente operacional do aterro. "Era uma média de 110 toneladas, antes de aumentar a industrialização e o turismo".
Para dar conta do material, são 12 funcionários. Cinco dos quais fazem o trabalho dos antigos catadores, ou seja, retiram da sujeira o que pode ser reciclado. "Não chega a 10% o que pode ser reaproveitado". Pelo menos 100 famílias disputavam os resíduos, há quatro anos, antes da construção do aterro. Das 150t/dia de lixo que o aterro recebe, 60% poderiam ser recicladas. Os pneus são colocados à parte, para serem mandados à Votorantim, cimenteira que os utiliza no co-processamento.
CAPITAL
Asmoc absorve 4 mil toneladas/dia
Fortaleza Em 1991 o governo do Ceará construiu três aterros sanitários, em Aquiraz, Caucaia e Maracanaú. Por ser o maior deles, o de Caucaia passou a receber o lixo de Fortaleza, com a desativação do Lixão do Jangurussu, em 1998. Segundo o engenheiro Helano Brilhante, diretor de Resíduos Sólidos da Autarquia de Regulação, Fiscalização e Controle dos Serviços Públicos de Saneamento Ambiental (Acfor), o aterro Sanitário Metropolitano Oeste de Caucaia (Asmoc), após 12 anos, atingiu 86% de ocupação no método trincheira.
A Ecofor Ambiental coleta os resíduos em Fortaleza e gerencia o Asmoc e o Aterro Sanitário de Aquiraz, que também recebe o lixo do Eusébio. Conforme João Júlio de Holanda Sombra, superintendente operacional da empresa, o Asmoc opera numa área de 123 hectares, 24 horas por dia, com 58 funcionários e 25 terceirizados. Lá são realizadas aproximadamente 800 pesagens diárias, totalizando cerca de quatro mil toneladas, 98% coletadas na Capital.
Segundo suas informações, em sete anos, o volume de lixo encaminhado ao Asmoc aumentou aproximadamente 20% e, só do ano passado para cá, o incremento foi de 7%. Ele atribui este crescimento ao investimento na universalização da coleta, crescimento da cidade e aumento do poder aquisitivo.
Ainda assim, investimentos recentes em equipamentos (incluindo a aquisição de um compactador de 25t) transferem para 2015 o atingimento da capacidade do aterro, para o qual já há projeto de ampliação. Ainda de acordo com João Júlio, há projeto para a construção de um novo aterro sanitário, mas o local ainda é mantido em segredo para evitar especulações.
A Ecofor e a Prefeitura também realizam estudos para promover a redução do lixo acumulado. Um deles propõe destinação diferenciada as 140t diárias de restos de poda, o que inclui a fabricação de briquetes para alimentar fornos; e compostagem. (MC)
Iracema Sales e Samira de Castro // Maristela Crispim
Repórteres // Editora
Fonte http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=857285