domingo, 26 de setembro de 2010

Aterros projetados permanecem no papel

CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS

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Há poucos aterros e muitos problemas inda a serem enfrentados no Estado do Ceará
FOTOS: MIGUEL PORTELA

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Asmoc atingiu 86% de ocupação no método trincheira

26/9/2010

Enquanto o governo tenta implantar 30 aterros consorciados, no Asmoc a expectativa é de ampliação

Viçosa, Maracanaú, Acaraú e Sobral. O mato tomou conta do acesso. O portão está fechado com cadeado, mas a cerca lateral deixou de existir. Na entrada do terreno, uma casa abandonada, já sem portas e janelas, não dá pistas de que ali funcionaria o primeiro aterro sanitário consorciado do Estado: Viçosa/Tianguá, na Chapada da Ibiapaba. Sua pedra fundamental foi lançada em 2002, quando não havia sequer arcabouço jurídico para este tipo de iniciativa.

Oito anos depois, o retrato é de abandono e frustração, conforme o secretário de Infraestrutura de Viçosa, Sérgio Fontenele. "Fizemos a estrada de acesso, o isolamento da área, que fica a 18 km das duas cidades, escavamos a primeira trincheira, construímos o pátio de estacionamento, a casa da administração, controle e pesagem dos caminhões e o mais difícil, a compra dos tratores, que custaram R$ 300 mil", conta.

Para começar a funcionar, o aterro precisava da lagoa de estabilização, poço de captação de chorume, eletrificação e de balança de pesagem. À época, o projeto era de R$ 2 milhões. "Aí, o vento mudou, e ele muda de quatro em quatro anos, e o dinheiro parou de vir. O projeto empacou", resume o secretário.

Embora reconheça que parte do projeto foi bancada pelo governo estadual, o secretário lamenta que a implantação tenha parado por uma questão política. "Não é culpa isolada de ninguém. No Brasil, quando um dirigente sai, o que assume prefere, muitas vezes, começar do zero. Não dá para inaugurar obra já iniciada e dizer que foi o pai da criança", pontua.

Consórcios intermunicipais

Desde 2006, o governo estadual tenta implantar 30 aterros sanitários regionalizados no Ceará, por meio de consórcios intermunicipais. Só três iniciativas deram alguns passos: Viçosa/Tianguá; Paracuru/Paraipaba/Trairi; e Crato/Juazeiro do Norte/Barbalha. A previsão era de cobrir 1,8 milhão de habitantes, demandando investimentos da ordem de R$ 94,37 milhões. "Estamos dando apoio institucional e técnico para a implantação dos consórcios", diz Fernando Sérgio Studart Leitão, da Coordenadoria de Saneamento Ambiental da Secretaria das Cidades. A tarefa conta com o apoio do Associação de Prefeitos e Municípios do Ceará (Aprece).

Oficialmente, são oito consórcios formados (envolvendo 60 municípios) e pelo menos 15 em vias de concretização, totalizando 23 iniciativas. "Até março de 2011, estaremos com todos estes consórcios legalmente estabelecidos", arrisca Leitão, para quem essa é a alternativa das pequenas cidades para cumprir as metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

Degradação

O entorno do Aterro Sanitário de Maracanaú já denuncia o que pode ser constatado logo na entrada: a existência de um comércio degradante, no qual seres humanos disputam, entre urubus e cães, a tão cobiçada mercadoria: o lixo. Um mercado que funciona sem qualquer tipo de regulamentação, exceto a lei da oferta e da procura, é capaz de render para um dos integrantes da cadeia, os atravessadores ou balanceiros, lucro de até 100%.

Com balanças instaladas no próprio aterro, balanceiros e catadores se confundem num mesmo cenário, marcado pela desigualdade social. A entrada com portão demonstra que existe um controle do lixo, no entanto, a presença de catadores dentro do aterro é sinal de que suas regras não estão sendo respeitadas.

A aglomeração de catadores e de sacos de lixo nas ruas próximas ao aterro sanitário de Maracanaú, cuja operacionalização é de responsabilidade da Secretaria de Obras, denunciam a sua precária infraestrutura, com uma rede reciclagem clandestina. "Infelizmente temos ainda catadores", lamenta Pedro Hermano, coordenador do setor de gestão integrada de resíduos sólidos da Secretaria do Meio Ambiente de Maracanaú.

A relação dos catadores com o lixo não é de repúdio ou nojo. Pelo contrário, é do lixo que retiram a sobrevivência. O constrangimento pode ser observado sobretudo nos jovens, que demonstram um certo pudor ao falar sobre o assunto: "A gente veio trazer a merenda da mãe. É ela que vem todo dia de manhã e só volta à noite", afirma Fabiana Pereira da Silva, de 18 anos, explicando que a mãe, Maria Liduina Pereira Ângelo, de 50 anos, "recicla plástico e papel". O ganho é considerado razoável, "ela tira R$ 80,00 por semana", embora considere o trabalho duro. A atividade é insalubre, mas garante a sobrevivência dos cem catadores. Só que apenas 73 vão ter a possibilidade de participar da Cooperativa de Produção dos Catadores do Conjunto Vida Nova (Coomvida) que começou a funcionar de forma experimental, como explica o presidente, Luís Carlos Marreiro de Souza, 25 anos, catador desde os sete. "Comecei no Jangurussu", lembra, estimando que existam cerca de 500 a 700 catadores no município. Construído pelo governo do Estado, em 1997, o equipamento ocupa área de 90 hectares e deveria servir aos municípios de Maranguape e Pacatuba. Em 1998, o aterro foi municipalizado e hoje, recebe apenas o lixo de Maracanaú e parte de Maranguape.

Tudo parado

Luciano Ferreira da Silva nem se incomoda com a fumaça, no trator, de luvas, óculos escuros e chinelos, ele revolve o lixo que queima forte. Funcionário de empresa terceirizada que presta serviço à Prefeitura, ele trabalha no que seria o Aterro Sanitário de Acaraú, no litoral oeste do Ceará, a 203km de Fortaleza. "Aqui é um aterro. Não está pronto ainda", comenta. Das trincheiras previstas, apenas uma foi aberta, recebendo resíduos de todo tipo, misturados, queimando e, ao mesmo tempo, sendo espalhados para outros pontos, por conta do vento forte. "Falta a lagoa de transbordo, a estação de reciclagem", acrescenta.

O "aterro sanitário" de Acaraú recebe, por dia, cerca de 15 toneladas de resíduos. "Ainda é um lixão. Faz um ano e três meses que retomamos as obras. O aterro está em fase de implantação", admite o secretário municipal de Meio Ambiente, Elias Silveira. Não deu para esperar a concretização do consórcio intermunicipal, que iria construir um aterro para sete municípios da região - entre eles Cruz, Bela Cruz, Jijoca e Marco.

Com 10 hectares, o local tem licença de instalação da Semace e prevê a abertura de uma vala exclusiva para lixo hospitalar. Faltou verba para avançar. "A obra toda custa R$ 2,2 milhões. Já saiu uma parcela de R$ 250 mil, de um total de R$ 804 mil previstos na primeira etapa", argumenta o secretário. Falta muito. "A intenção da prefeitura é concluir o aterro e colocá-lo em funcionamento em 2011. Mas esse é um ano de eleição e está tudo parado", resume.

Funcionários catam

O aterro controlado de Sobral, licenciado pela Prefeitura do município, recebe cerca de 150 toneladas diárias de resíduos da sede, distritos e da cidade vizinha, Meruoca. Nos últimos dez anos, essa quantidade se ampliou, à medida em que avançou a economia da Zona Norte, conforme José Maria Araújo Rodrigues, gerente operacional do aterro. "Era uma média de 110 toneladas, antes de aumentar a industrialização e o turismo".

Para dar conta do material, são 12 funcionários. Cinco dos quais fazem o trabalho dos antigos catadores, ou seja, retiram da sujeira o que pode ser reciclado. "Não chega a 10% o que pode ser reaproveitado". Pelo menos 100 famílias disputavam os resíduos, há quatro anos, antes da construção do aterro. Das 150t/dia de lixo que o aterro recebe, 60% poderiam ser recicladas. Os pneus são colocados à parte, para serem mandados à Votorantim, cimenteira que os utiliza no co-processamento.

CAPITAL

Asmoc absorve 4 mil toneladas/dia

Fortaleza Em 1991 o governo do Ceará construiu três aterros sanitários, em Aquiraz, Caucaia e Maracanaú. Por ser o maior deles, o de Caucaia passou a receber o lixo de Fortaleza, com a desativação do Lixão do Jangurussu, em 1998. Segundo o engenheiro Helano Brilhante, diretor de Resíduos Sólidos da Autarquia de Regulação, Fiscalização e Controle dos Serviços Públicos de Saneamento Ambiental (Acfor), o aterro Sanitário Metropolitano Oeste de Caucaia (Asmoc), após 12 anos, atingiu 86% de ocupação no método trincheira.

A Ecofor Ambiental coleta os resíduos em Fortaleza e gerencia o Asmoc e o Aterro Sanitário de Aquiraz, que também recebe o lixo do Eusébio. Conforme João Júlio de Holanda Sombra, superintendente operacional da empresa, o Asmoc opera numa área de 123 hectares, 24 horas por dia, com 58 funcionários e 25 terceirizados. Lá são realizadas aproximadamente 800 pesagens diárias, totalizando cerca de quatro mil toneladas, 98% coletadas na Capital.

Segundo suas informações, em sete anos, o volume de lixo encaminhado ao Asmoc aumentou aproximadamente 20% e, só do ano passado para cá, o incremento foi de 7%. Ele atribui este crescimento ao investimento na universalização da coleta, crescimento da cidade e aumento do poder aquisitivo.

Ainda assim, investimentos recentes em equipamentos (incluindo a aquisição de um compactador de 25t) transferem para 2015 o atingimento da capacidade do aterro, para o qual já há projeto de ampliação. Ainda de acordo com João Júlio, há projeto para a construção de um novo aterro sanitário, mas o local ainda é mantido em segredo para evitar especulações.

A Ecofor e a Prefeitura também realizam estudos para promover a redução do lixo acumulado. Um deles propõe destinação diferenciada as 140t diárias de restos de poda, o que inclui a fabricação de briquetes para alimentar fornos; e compostagem. (MC)


Iracema Sales e Samira de Castro // Maristela Crispim
Repórteres // Editora

Fonte http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=857285

Responsabilidades para todos nós

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De acordo com a Resolução Conama Nº 416/2009, para cada pneu novo comercializado para o mercado de reposição, as empresas fabricantes ou importadoras devem dar destinação adequada a um pneu inservível, o que é reforçado pela Política de Resíduos Sólidos
FOTO: KID JÚNIOR

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Muitos artesãos encontram na sucata inspiração para os seus trabalhos
FOTO: MIGUEL PORTELA

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Há pessoas que ainda jogam lixo na rua acreditando que pagam impostos para manter a cidade limpa
FOTO: VIVIANE PINHEIRO

26/9/2010.

O Brasil vive a expectativa de ver minimizados os danos causados pelo lixo, mas todos devem se engajar

No dia 2 de agosto passado, o presidente Lula sancionou, após 20 anos de tramitação, a Lei Nº 12.305, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, com princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes relativos à gestão integrada de resíduos sólidos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis.

Ela estabelece, entre outros princípios, os da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; o do reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania.

Entre os instrumentos postos para a sua execução, estão os planos de resíduos sólidos; a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa; o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis; o monitoramento e a fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária; a educação ambiental; e os incentivos fiscais, financeiros e creditícios.

A Lei também estabelece que, na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a ordem de prioridade não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.

Planos

A elaboração do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) é condição para os municípios terem acesso a recursos da União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento para tal finalidade.

Ela estabelece que serão priorizados os municípios que optarem por soluções consorciadas intermunicipais para a gestão dos resíduos sólidos, incluída a elaboração e implementação de plano intermunicipal, ou que se inserirem de forma voluntária nos planos microrregionais de resíduos sólidos; e os que implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.

Responsabilidades

Mas o grande destaque desta Lei está na instituição da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos.

Essa responsabilização tem por objetivo compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis; promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua ou outras cadeias produtivas e reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os danos ambientais.

Da mesma forma, deve incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de maior sustentabilidade; estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis; propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade; e também incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental.

Os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes têm responsabilidade que abrange investimento no desenvolvimento, na fabricação e na colocação no mercado de produtos que sejam aptos, após o uso pelo consumidor, à reutilização, à reciclagem ou a outra forma de destinação ambientalmente adequada; cuja fabricação e uso gerem a menor quantidade de resíduos sólidos possível; e divulgação de informações relativas às formas de evitar, reciclar e eliminar os resíduos sólidos associados a seus respectivos produtos.

Da mesma forma, são responsáveis pelo recolhimento dos produtos e dos resíduos remanescentes após o uso, assim como sua subsequente destinação final ambientalmente adequada, no caso de produtos objeto de sistema de logística reversa; e compromisso de, quando firmados acordos ou termos de compromisso com o município, participar das ações do plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, no caso de produtos ainda não inclusos no sistema de logística reversa.

Embalagens

A nova Lei estabelece, ainda, que as embalagens devem ser fabricadas com materiais que propiciem a reutilização ou a reciclagem. Dessa forma, cabe aos responsáveis assegurar que sejam: restritas em volume e peso às dimensões requeridas à proteção do conteúdo e à comercialização do produto; projetadas de forma a serem reutilizadas de maneira tecnicamente viável e compatível com as exigências aplicáveis ao produto que contêm; recicladas, se a reutilização não for possível.

São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e do Sistema Único de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa), ou em normas técnicas; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; produtos eletroeletrônicos e seus componentes.

Proibições

Pela nova Lei, é proibida a destinação ou disposição final de resíduos sólidos ou rejeitos em praias, no mar ou em quaisquer corpos hídricos; in natura a céu aberto, excetuados os resíduos de mineração. Também é proibida a queima a céu aberto ou em recipientes, instalações e equipamentos não licenciados para essa finalidade.

Igualmente são proibidas, nas áreas de disposição final de resíduos ou rejeitos, a utilização dos rejeitos dispostos como alimentação; catação; criação de animais domésticos; e fixação de habitações temporárias ou permanentes. Outra proibição da Lei diz respeito à importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos, bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reúso, reutilização ou recuperação.

De acordo com a Lei, a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos deverá ser implantada em até quatro anos após a sua data de publicação, ou seja, agosto de 2014.

Já a exigência de elaboração dos planos estadual e municipal de gestão integrada de resíduos sólidos entra em vigor dois anos após a data de publicação da Lei, em outras palavras, em agosto de 2012.

ENTREVISTA

*Gemmelle Oliveira Santos

"As pessoas precisam saber que ganhos a cidade e o meio ambiente terão"

Qual a sua avaliação sobre a situação atual dos resíduos sólidos no País?

Apesar dos avanços faço uma avaliação ruim pois é majoritária a quantidade de pessoas (da sociedade, do poder público e dos órgãos ambientais) que vê o tema com repulsa. Certamente, algumas cidades no Brasil assumem a questão dos resíduos sólidos como um tema-chave, promovem campanhas de educação ambiental, incentivam a redução do consumo desenfreado, implantam sistemas de coleta seletiva e reciclagem, reconhecem e melhoram a vida dos catadores, aproveitam o gás gerado em áreas de disposição, mitigam diversos impactos sociais e ambientais, etc, mas esses locais ´são pontos fora da curva´, ou seja, são exceções. Mas, na maioria das cidades o cenário é bem diferente.

Quais são os principais impactos ambientais do acúmulo de lixo, na forma de lixões?

Dispor os resíduos sólidos num lixão é uma prática fácil, de baixo custo e comum à maioria das cidades brasileiras, especialmente as de pequeno porte. As consequências dessa ação aparecem, no mínimo, no meio social, ambiental e econômico, tanto no presente, quanto no futuro e em áreas próximas ou distantes do lixão. Surgem doenças por micro e macrovetores, poluição e/ou contaminação dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, degradação da paisagem, poluição do ar por gases de efeito estufa, além do fato de os lixões abrigarem catadores que buscam, entre os resíduos e animais, o que comer e/ou o que vender. Com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, essa prática, o lançamento in natura a céu aberto, será proibida e as prefeituras terão que se adequar.

Qual é o primeiro passo a avançar para minimizar os impactos da produção / consumo / geração de resíduos no ambiente?

Não há um único caminho para resolvermos todos os problemas advindos da questão dos resíduos sólidos. Precisamos de ações individuais e coletivas, atitudes em nossas residências e também na indústria, participação do órgão ambiental e interesse nas prefeituras. Ações que permitam às pessoas refletirem sobre a necessidade de reduzirmos esse consumismo insano, paralelamente às ações voltadas à coleta seletiva dos materiais, ao reúso, à reciclagem. Precisamos também de ações que levem ao aterro sanitário apenas o rejeito de uma cadeia produtiva e não ´o todo´, como vem acontecendo.

Como os sistemas de coleta seletiva podem ser eficientes?

Eu diria que o primeiro passo para se evitar o fracasso de um programa de coleta seletiva é o planejamento e desenvolvimento de um programa permanente e contínuo de educação ambiental. As pessoas precisam saber porque vão participar, que ganhos indiretos ou diretos a cidade e o meio ambiente terão com a iniciativa delas. Paralelamente, é necessário acertar o destino final adequado para os materiais e também como e onde esses resíduos serão transportados e/ou armazenados/processados. É necessário também saber se há mercado para os recicláveis ou se a economia ecológica, sozinha, é capaz de lidar com esse quantitativo. Após essas etapas, vem a compra e/ou confecção dos recipientes padrões da coleta seletiva, dimensionados para os pontos de coleta da e a inserção dos catadores (alfabetizados, capacitados, uniformizados, associados) nessa cadeia.

*Professor do IFCE

Maristela Crispim
Editora

Fonte http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=857283

Município dá exemplo de coleta seletiva

LITORAL OESTE

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Varrição das ruas, de manhã cedo, em Cruz: o jumentinho já foi incorporado ao cotidiano da comunidade
FOTO: KID JÚNIOR

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O gari Geraldo Silveira recolhe o lixo das praças, que é depositado nos coletores especiais. A população colabora, separando o que pode ser reciclado
FOTO: KID JÚNIOR

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Seu Antônio chegou a catar no lixão. Hoje, trabalha na coleta seletiva, iniciada recentemente, em Piquet Carneiro
FOTO: KID JÚNIOR

26/9/2010

O meio ambiente faz parte da agenda da administração de Cruz. A coleta seletiva integra um dos programas

Cruz. O dia mal começou, mas os trabalhadores Marcelo Geraldo Silveira e Fábio Silveira Nascimento já estão a postos. Com uma carrocinha puxada por um jumento, fazem a varrição e o recolhimento de parte do lixo das principais ruas do município de Cruz, a 231km de Fortaleza. Peculiar para os visitantes, a situação nem chama mais a atenção dos moradores da cidade, uma das poucas no Estado a ter um sistema de coleta seletiva. O projeto vem sendo desenvolvido desde 2003. E conseguiu o principal: sensibilizar a população, pouco afeita a separar seus resíduos até então.

"O jumentinho da limpeza pública passa todo dia. A gente deixa num saco o que pode ser reciclado, ou deposita direto nos tambores (coletores especiais) colocados nas praças. O lixo comum fica em sacos e sacolas plásticas", descreve uma moradora, que prefere não ser identificada. Assim, os garis - mesmo sem equipamentos de proteção - recolhem PET, papel, papelão, plástico, ferro, aço e vidro. Cada casa que participa do projeto ganha um selo, para ser identificada pelos garis.

"A gente junta tudo na carroça. O que não serve vai para o lixão", conta Geraldo, funcionário da empresa que faz o trabalho de limpeza pública, hoje terceirizado. O lixão ainda é uma "mácula" nas boas práticas da cidade, como admite a professora Maria José Farias, educadora ambiental da Prefeitura. Assim, as ruas limpinhas e praças impecáveis, com coletores coloridos que chamam a atenção, escondem um destino final ainda inadequado para os resíduos.

Pela saúde

A iniciativa de coleta seletiva em Cruz começou na Secretaria Municipal de Saúde. Na época, em 2002, a cidade era detentora de índices alarmantes de mortalidade infantil. "Houve um trabalho de mobilização dos agentes de saúde, que visitavam as casas e perguntavam se a população estava interessada em participar da coleta seletiva", comenta Ricardo Leite, da coordenação de Meio Ambiente da Prefeitura. Em seguida, foi realizado um seminário sobre o destino do lixo, com a participação de lideranças comunitárias.

O projeto foi feito na base da experimentação, pois a Prefeitura tinha ideia mas não sabia como fazer a separação correta dos resíduos. "Compramos os tambores para separar o lixo úmido do seco e alugamos quatro galpões que se encheram de recicláveis. Não conhecíamos o mercado". Então, a administração convidou uma pessoa que estava fazendo a coleta seletiva em Jijoca para auxiliar em Cruz.

Em 2006, a coleta foi estendida aos distritos, num esforço da gestão de melhorar os indicadores sociais. Hoje, o serviço é terceirizado, prestado pela empresa Reciclagem Renascer. "Foi uma maneira de não parar. O recolhimento não paga a estrutura necessária", informa Maria José, acrescentando que a Prefeitura tentou passar a venda de material para uma cooperativa, mas não conseguiu reunir número suficiente de catadores. "O município também não encontrou recursos para montar um centro de triagem adequado", completa.

Apesar das dificuldades, a questão ambiental vem sendo tratada como prioridade da gestão. São quatro programas interligados: Agenda 21, Programa Verde, Programa de Educação Ambiental e Coleta Seletiva. "No primeiro, estamos implantando a A3P (Agenda Ambiental na Administração Pública), promovendo a economia de recursos naturais como água, energia, papel, entre outros". Os papeis oriundos da coleta seletiva feita nos prédios oficiais vão para o Programa Verde e são reciclados nas escolas municipais. As garrafas PET recolhidas são utilizadas nas oficinas com pacientes do Centro de Atenção Psicossocial (Caps). "Cada criança que nasce na cidade recebe uma muda de árvore, num vaso feito com PET pelos pacientes do Caps", conta Maria José. A Prefeitura quer implantar a primeira certificação ambiental do município, o Selo Escola Verde. "Temos um coordenador ambiental em cada uma das 24 escolas públicas. Eles são responsáveis por introduzir as discussões ambientais no dia a dia da comunidade".

Panorama nacional

O número de municípios brasileiros que operam programas de coleta seletiva aumentou pouco mais de 9%, entre 2008 e 2010, segundo a pesquisa Ciclosoft, realizada pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre). São, hoje, 443 contra 405, há dois anos. Dos 443 municípios, apenas estão 45 no Nordeste. O envolvimento de prefeituras na coleta seletiva tende a crescer, na medida em que a população passa a cobrar dos governantes uma postura proativa em relação ao recolhimento e destinação dos resíduos sólidos. No entanto, é preciso cautela: desde o início da pesquisa, em 1994, essa foi a menor taxa de evolução.

"A desaceleração na expansão demonstra a limitação no envolvimento das prefeituras, sobretudo de municípios menores, e a necessidade de uma política federal que obrigue, normatize e cobre o avanço sustentável e consistente da coleta seletiva e da reciclagem no País", explica Victor Bicca, presidente do Cempre. "A Política Nacional de Resíduos Sólidos deverá dar novo fôlego ao sistema".

APOIO DAS ESCOLAS

Primeiros passos no Interior

Reriutaba e Piquet Carneiro. "A senhora já ouviu falar em coleta seletiva?" É assim que os dez agentes do meio ambiente de Reriutaba, no Norte do Estado, trabalham: de porta em porta, sensibilizando a população para a separação dos resíduos secos e úmidos. "Começamos a coleta seletiva no ano passado, em quatro bairros. É preciso, primeiro, um processo educativo", comenta a secretária do Meio Ambiente do município, Gislanny Oliveira.

A limpeza pública é terceirizada. A administração municipal capacita os garis, o acompanhamento e a acomodação do material reciclável. "O grosso é vendido a um deposeiro de Varjota. Parte do que é recolhido é doado para artesãos. Com o óleo de cozinha, fazemos sabão ecológico. As garrafas PET viram vassouras".

Já em Piquet Carneiro, no Sertão Central, o projeto Cidade Limpa e Sustentável também ensaia fazer coleta seletiva. A Secretaria do Meio Ambiente também tem parceria com jovens das escolas e até conseguiu resgatar do lixão o "seu" Antônio de Freitas, hoje agente ambiental, que recolhe o material reciclável e troca por gêneros alimentícios e itens de limpeza, na venda mantida pela administração pública. (SC)

Samira de Castro
Repórter

Fonte http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=857439&aviso=yes